sexta-feira, 10 de abril de 2009

Ainda os quadrinhos

Estou redescobrindo os quadrinhos, graças ao acervo da Julia que fica o tempo todo à minha disposição (o acervo, não a Julia), no mesmo quarto que agora eu chamo de meu. Essa moça que faz questão de se definir como “jornalista”, que trabalhou em um jornal em Franca durante a sua graduação, que estudou a mídia na cobertura da Guerra do Iraque e que está sempre procurando mais formas de interação entre as Relações Internacionais e as artes, essa moça tem uma coleção razoável de quadrinhos adultos. Eu já comentei sobre a série “Buda”, do Osamu Tezuka. Ela tem também alguns exemplares da série “Adolf”, do mesmo Osamu Tezuka, outros do Joe Sacco, como “Palestina – Uma nação ocupada” e “Uma história de Sarajevo”. Também li “Leões de Bagdá”, cujos autores não me lembro, que peguei emprestado de um aluno do terceiro semestre, o Rafael, e que já devolvi (e por isso não tenho como citar o nome dos autores agora). Tenho preferido os quadrinhos ao cinema. E mesmo no cinema, o último filme que fui ver, o único até agora aqui em Boa Vista, foi “Watchmen”, inspirado em quadrinhos.

Breve história da minha relação com os quadrinhos
Eu li quadrinhos durante toda a minha vida. Meus preferidos eram Turma da Mônica quando eu era criança, com ocasionais leituras dos quadrinhos da Disney, e quando entrei na pré-adolescência, X-Men. Meu primeiro contato foi com um especial, “Vingadores versus X-Men”. Aquele bando de heróis mutantes foras-da-lei, que por algum motivo arranjavam uma briga com Capitão América e companhia limitada e ainda davam conta de escapar sem nem um arranhão na dignidade me conquistou. Procurei saber mais sobre eles. Em pouco tempo, estava colecionando. Comecei a comprar a edição brasileira de X-Men pela editora Abril quando ela estava por volta do número 40. Cheguei a encontrar todos os números anteriores, nos sebos de Campo Grande. Revirei os reservatórios do Maciel e do Hamurábi, desempilhando e escavando dezenas de revistinhas empoireadas. Eram uns baciões retangulares de algo em torno de um metro de profundidade. Cheguei a ter todos os números desde o 1 até o 75. Os últimos que faltavam para a coleção, nunca vou me esquecer, foram o 18 e o 23. E por um acaso fantástico, um dia meu pai entrou em casa com o número 18 na mão! Era o último que faltava! Todos na minha casa sabiam disso. Ele estava andando pela rua e viu o X-Men 18 numa banca. E comprou para mim. Anos mais tarde foi também o meu pai que me convenceu a me livrar da minha coleção porque eu já estava velho demais para ler gibis. Mas não o culpo, quem se deixou convencer fui eu. E além disso, eu já não estava mais disposto a continuar comprando os gibis todo mês. A Abril tinha lançado outras revistas de X-Men, o formato tinha aumentado (de formatinho para formato americano), o preço tinha subido. E havia mesmo uma crise na Marvel nos Estados Unidos. Os X-Men já não eram mais os mesmos. Todo x-maníaco que viveu essa época vai concordar que houve um período muito chato nas estórias do grupo no final da década de 90.
Depois disso, tive grandes experiências com a "Mafalda", do Quino, "Calvin e Haroldo", do Bill Watterson, e o erótico "Clic", do Milo Manara. Falo mais sobre eles outro dia, porque eles merecem um post só para eles.

Novas experiências: eu e os quadrinhos em Boa Vista
Já falei sobre o “Buda” do Osamu Tezuka. Nada menos que fantástico. Estou definitivamente convencido de que Tezuka é um grande gênio, não somente dos quadrinhos, mas também da literatura e talvez até da História. Parafraseando uma jornalista que se referia à Marília Pêra no filme Central do Brasil (sim, a Marília mesmo, não a Fernandona): “Feliz do país que tem uma atriz como essa”. Feliz do Japão por ter um cartunista como esse. A série "Adolf" é de uma sensibilidade incrível. Ele consegue unir a narrativa histórica, os fatos considerados verdadeiros na historiografia, e relacionar os personagens desses acontecimentos, buscando minúcias de suas vidas pessoais, suas relações, tão complexas, tão imbricadas umas nas outras, que é difícil acreditar que não seja ficção. Tezuka nos deixa em dúvida o tempo todo sobre a veracidade de sua própria história, e mais, sobre a História toda. Não sei se ele faz isso de propósito, mas sua obra corrobora com a sugestão da pós-modernidade de que toda narrativa é tão privilegiada quanto qualquer outra narrativa. Especificamente em "Adolf", Tezuka, um autor tão capacitado na produção do humor, reserva-se o direito de ser sério, produzindo um tom respeitoso e documental, sem nunca perder o ritmo da produção do suspense.
Joe Sacco não me parece, pelo menos até agora, tão genial quanto Tezuka. Mas não tenho dúvida de que é também um clássico instantâneo, alguém que estamos fadados a continuar lendo e relendo ao longo desse século. “Palestina – Uma nação ocupada” é um livro importante, que desconstrói vários mitos construídos para justificar a criação do estado de Israel, mostrando seu anacronismo, sem resvalar para o revanchismo ou a incitação à violência. Acima de tudo, expõe a contradição de um povo que, tendo sido vítima das agruras de uma opressão militar covarde – como foi o caso do povo judeu sob o Nazismo –, pouco tempo depois, comporta-se tão covardemente quanto seus antigos opressores (embora em menor proporção e sem pretensões genocidas).
Lado a lado, "Adolf" e "Palestina", de Tezuka e Sacco, produzem um lamento comovente pela incapacidade humana de evitar a guerra. As Relações Internacionais, como ramo do conhecimento, se propõem a pensar a guerra e a paz, em como evitar uma e como prolongar a outra. Mais que os outros ramos das ciências sociais, é um campo novo, cheio de dúvidas e incertezas. Torço para que consiga, nesse século – meu tempo de sobrevida – alcançar mais compreensão entre os povos e colaborar para banir a covardia humana, pelo menos como prática estatal corriqueira.