domingo, 14 de junho de 2009

Sobre o ninho de avião

Recebi um e-mail explicando sobre o que eu achava inexplicável. Posto abaixo o que me disse sobre a tal casa "ninho de avião" a leitora assídua e aluna nem tão assídua assim, Adahra Menezes:

"Essa casa é de um homem cujo destino é incerto e
rodeado por lendas urbanas. Ele é apaixonado por aviões e sempre
sonhou em construir uma casa com um avião em cima. Parece-me que sua
família morreu, e ele recebe um segurozinho que num dá pra nada, e que
o pouco que ele tem, investia somente na casa, que por sinal fora
construída por ele mesmo com ajuda de outro rapaz. Eu lembro dessa
casa há anos assim, é como se ela tivesse estagnado...Tem várias
placas na frente das quais não em recordo tão bem, mas se não me
engano fazem referências a seu sonho de construí-la. Lembro de uma
reportagem do Fantástico, em que o Maurício Kubrusly passava por
várias cidades mostrando curiosidades, Adivinha qual foi a de
BV??? Exactly! Também faz tempo que a vi, mas me recordo que fiquei
comovida porque ele estava com o pé de manga carregado, e por isso
preferia se alimentar só de manga enquanto tinha, pra voltar toda sua
renda pra casa...Acho que só. Hoje em dia, reza a lenda que ele está
preso por homicídio, mas quanto à isso não tenho certeza. Só sei que
sempre quis entrar na casa, tem tanta lenda urbana em cima dela, como
passagens subterrâneas, uma garagem no subsolo que cabem 5 carros, e
quem sabe eu poderia até tirar uma foto como ele tirou, em cima do
avião!Rsrsrs...It'd be legendary rsrsrs."

Obrigado, Adahra! Um abraço.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Capital da arquitetura kitsch

Boa Vista deve ser a capital brasileira da arquitetura kitsch (que é a palavra chique para dizer "brega"). Trago aqui dois exemplos que fundamentam com sobra a minha tese.
O primeiro é esse belo exemplar de ninho de avião. Impossível explicar.

O segundo é esse fantástico castelinho, que funciona como sede de uma clínica de cardiologia. Imagino eu que a masmorra seja para manter os pacientes com risco cardíaco que não conseguem parar de fumar e manter uma dieta regrada.


Haja paciência.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Quem quer ser um Milionário na Cidade de Deus?

Se no filme brasileiro “Cidade de Deus”, o Buscapé usasse os seus conhecimentos de favelado para acertar as respostas do Show do Milhão;
Se nessa situação bizarra o Silvio Santos fosse um egocêntrico mau-caráter;
Se o Zé Pequeno sacrificasse sua vida para que a Angélica ficasse com o Buscapé no final;
Se todas essas coisas se juntassem num filme falado parcialmente em inglês e dirigido por um britânico, responda, valendo um milhão de dólares:
“Quem quer ser um milionário?” seria:
A) Um filme mais chato que “Cidade de Deus”.
B) Um filme menos importante que “Cidade de Deus”.
C) O pior filme ganhador do Oscar desde “Titanic”.
D) Quem se importa? É só o ganhador do prêmio mais decadente do cinema.

Na minha opinião, todas as alternativas anteriores.

Letra A: “Cidade de Deus” é, para mim, um grande filme. Não por acaso, foi escolhido entre os cem melhores filmes do século (logo, um dos cem melhores de todos os tempos). Mas aí, é claro, entra a minha identidade nacional, minha brasilidade, meu patriotismo, talvez até uma espécie de chauvinismo que me acomete quando o assunto é cinema. A trilha sonora de “Cidade de Deus” é absolutamente superior à de “Slumdog Millionaire”, pelo menos do ponto de vista de qualquer brasileiro. O Rio de Janeiro é absolutamente mais bonito que Mumbai, do ponto de vista... vá lá, nesse caso é do ponto de vista de qualquer um, brasileiro, indiano, marciano... O ritmo em “Cidade de Deus” é muito bem mantido, assim como o suspense, o humor. Os dois filmes mostram logo no começo um acontecimento que somente será esclarecido perto do final. A diferença é que em “Cidade de Deus”, isso não atrapalha o suspense, enquanto que em “Slumdog” não tive a menor dúvida, desde o primeiro minuto de filme, de que o Jamal ganharia o prêmio.

Letra B: tudo bem, não dá para negar que “Slumdog” é um filme importante. É um filme falado em uma língua do mundo subdesenvolvido, retrata uma periferia – que embora esteja do outro lado do globo, tem características muito semelhantes à nossa. Lembrei muito do lixão em Campo Grande, quando vi os meninos no lixo de Mumbai; usando uma palavra que o Ferreira Gullar usa muito e que é bem mais bonita: um monturo é um monturo é um monturo. Essa periferia merece não só um, mas muitos retratos. Por isso não há razão nem desculpa para ciumeira. Mas “Cidade”, que me perdoem, é ainda mais importante. “Cidade de Deus” deveria ser obrigatório para todo brasileiro, deveria ser obrigatório para todo viciado em cocaína norte-americano, europeu ou de qualquer outro lugar do mundo. Vou explicar.
Primeiro: “Cidade” mostra as forças históricas em ação. O roteiro em forma de épico, abordando as fases da ocupação, o surgimento da favela, a instalação do tráfico, a ausência do Estado, os mecanismos sociais de reprodução da violência, permite uma compreensão rápida e profunda do problema do crime organizado no Brasil, um problema que ainda está sem resposta e que ameaça a vida nessa que a cidade mais linda do mundo. Ao mostrar as forças históricas, humaniza a favela, de-sataniza o morro, que como diria Zé Kéti, “não tem vez...”
Segundo: junto com “Tropa de Elite”, mostra aos viciados em cocaína do mundo que eles são co-responsáveis pela violência no mundo subdesenvolvido, disparada pelo tráfico. Acho que foi por isso que o Costa Gavras deu o Urso de Ouro para “Tropa”.
Terceiro: junto com “Tropa de Elite” e “Meu nome não é Johny”, completa uma trilogia sobre os danos sociais do tráfico de drogas. Gilberto Freyre dizia que a escravidão corrompia não só o escravo, mas também o senhor. Parafraseando: o tráfico corrompe toda a sociedade, dos pobres aos ricos, passando pela polícia.

Letra C: Tudo bem, peguei meio pesado. “Titanic” (1998) é um lixo, “Slumdog Millionaire” é bacana. Mas vejam a lista (com as respectivas notas, com narração de comissão avaliadora do desfile das escolas de samba carioca): “Shakespeare in Love” (1999), nota 10; “Beleza Americana” (2000), nota 10; “Gladiador” (2001), nota 9; “Uma mente brilhante” (2002), nota 9,5; “Chicago” (2003), nota 10; “O senhor dos anéis: o retorno do rei” (2004), nota 10; “Menina de ouro” (2005), nota 10; “Crash” (2006), nota 8 (sem comentários); “Os infiltrados” (2007), não vi; “Onde os fracos não tem vez” (2008), nota 10! Dessa lista, talvez só “Crash” seja mais fraco que “Slumdog Millionaire”...

Letra D: ora, ora, ora... Chega de me preocupar com o Oscar, vulgo prêmio Décadance avec Élegance do cinema...

Também me irritaram em “Quem quer ser um milionário?”: 1) roteiro esquemático e fácil demais, força a barra com perguntas com relação óbvia com o submundo a que pertence o “favelado” (slumdog): quem é o inventor do revólver? 2) visão de mundo radicalmente liberal: mesmo um favelado sem nenhuma chance na vida, sem educação formal, pode se realizar na vida pessoal e econômica. Moral da estória: “coisas boas acontecem para boas pessoas”, um alívio para a consciência dos cidadãos dos países ricos: “ufa, aquela estória de responsabilidade pelo subdesenvolvimento é muito chata... podemos ficar tranqüilos, porque os bonzinhos se dão bem lá na Índia”; 3) um cena em especial: quando o menino leva os turistas para ver as lavadeiras na margem do rio, e o carro deles é depenado, segue-se o diálogo: “Vocês não queriam ver a Índia real? Aí está”, ao que a mulher responde: “Vamos mostrar um pouco da América real, filho...”, e manda o marido entregar para ele a nota de cem dólares com a cara do Benjamin Franklin...

domingo, 10 de maio de 2009

Poema de dia das mães

Lembrei do primeiro poema que eu escrevi na vida (e talvez o melhor de todos). Foi um poeminha de dia das mães, para um concurso de alunos da quarta série. Aos oito anos, aprendi muito com ele quando vi minha mãe começar a chorar de me ouvir recitando, no quarto dela, de manhã cedo, em frente à "camona":

Ó mãe que amo tanto
E que me ama também
És tudo na minha vida
Como no mundo ninguém

Me levas para passear
Me levas para brincar
Te levo pro meu coração
E não te tiro mais não


... E mais umas três estrofezinhas, rigorosamente rimadas e com um estilo grandioso que seria minha marca registrada por muitos anos (o adulto já estava presente no menino), que eu não lembro mais de cor. Lembro, sim, do meu susto com as lágrimas dela, meu desentendimento daquela reação. Eu ainda não sabia que era possível chorar de alegria.

Fiquei em segundo lugar no concurso, para revolta da minha professora, que garantia que o poema do primeiro colocado tinha sido plagiado, que ela já tinha lido em um livro. Mas mesmo assim, acho que ganhei algum premiozinho, não lembro qual. O prêmio não foi importante. Importante foi aprender a chorar com a emoção que a literatura e outras artes despertam no ser humano, aprender sobre o poder das palavras. Mais que isso. Foi aprendê-lo com a minha mãe.

sábado, 9 de maio de 2009

Conto ou desconto?

Continuo meio sem tempo e meio sem inspiração para escrever no blog. Tudo bem, essa conversa mole de inspiração é coisa de amador. Mas, até aí, eu sou mesmo amador. Mas sou um amador fascinado com a capacidade desses escritores que têm colunas em jornais, diárias, semanais, seja o que for. Desenvolvem uma capacidade fantástica de criação. Tornam-se meio máquinas, despejando material impresso com hora marcada. Ainda não tenho isso. Mas, até aí, ainda nada de excepcional, eu nunca tive que escrever com a pressão do prazo. Quem faz o escritor? A inspiração ou o prazo?

Calvin e Haroldo respondem:



Então, para encher linguiça, vou postar um conto que eu escrevi na época em que estava morando em Brasília.

* * *

GRANDE AUTOR ALEMÃO

Ele chegou. A noite era só um negrume de estrelas e asfalto. As ruas eram paralelos e meridianos, infinitas. Ele viera de muito longe, de onde o escuro era ainda mais escuro e cada vaga-lume se juntava às estrelas e fazia coro com a Via Láctea. Ele não sabia esse nome. Via Láctea. Ele apenas via. Aqui, ele já não podia mais enxergar aquele balde de leite atirado para cima e fotografado sobre fundo escuro, para o resto do Tempo. Aqui, as estrelas eram magrinhas. Tristes estrelas. Sentiu o vento nos dedos dos pés, sobre as sandálias de dedo. Era gostoso aquele vento sobre o latejando dos dedos. Mas só mais um pouco.
Não podia ter certeza de nada, nem a hora certa, nem o lugar exato, nem a pessoa indicada. Não havia como. Havia os seus pés. Havia o seu sentimento do mundo. Havia o bolso da esquerda, vazio, e o bolso da direita, cheio. E havia um combinado com o bolso cheio. Tinha que esvaziá-lo, para transformar aquele pedaço de dúvida em certeza.
O céu começou a colorir, mais de um lado que do outro. Havia uma nuvem. Uma só nuvem. Que dia, ele pensou. Tanto sol e uma nuvem só. Apertou o passo. Chegou. Um descampado diferente, com uma construção de concreto aqui e ali. Procurou uma árvore, mas todas estavam em bandos. Acompanhadas. Pequizeiras, todas aqui. Sibipiúnas, todas ali. Ipês roxos, floridos, todos mais acolá, sempre em bandos de três, quatro, cinco. E assim os bambus, os arranha-gatos, as primaveras, as grevilhas e uma série de todo tipo de árvore ou arbusto que o cerrado era capaz de sustentar. As plantas postas aqui e ali, mas isso dava um descampado. Cada tipo no seu canto, umas encarando as suas outras iguais, para sempre, de castigo. Por cima, o céu, que não se apaga nunca. Pelos lados, os outros, o inferno, cada árvore vizinha era uma testemunha de tudo quanto a outra fez ou deixou de fazer durante a vida toda. Era aquele o lugar. Um lugar onde o conhecimento produzia as coisas assim, artificialmente separadas, catalogadas. Era ali que saberiam mais que ele. E era fácil, já que ele sabia tão pouquinho.
Sentou-se debaixo de um angico branco fininho, que não dava quase nenhuma sombra. De onde ele sentou, avistava tudo. Todas as árvores, espalhadas, de castigo; todos os prédios poeirentos, quietos, poucos, longe uns dos outros; todas as águas do Lago, bem juntas e dormidas; toda a nuvem, única, cada vez mais única, à medida que o céu ficava mais amplo, mais azul, mais impiedoso; todas as vias, por onde chegavam carros de todo tipo; todas as pessoas que chegavam a pé, como ele; todas as letras da placa colocadas na seguinte ordem:
B I B L I O T E C A
Ele sabia o que isso queria dizer. Queria dizer que ali dentro, alguém saberia explicar o que havia dentro do bolso direito.
Esperou até que mais pessoas tivessem entrado na biblioteca. Não podia afobar as coisas. O tempo certo das coisas. Além do mais, do lado de fora, com ele, ainda havia tanta gente sem entrar. Muita gente se sentava nas gramas e estendia bancas com o que vender. Uns tipos sujos, com cabelos muito variados, vendendo todo tipo de acessório cheio de penas e de sementes, que ele julgou não terem valor algum. E tinha os limpos. Os pretos limpíssimos e cheirosos, com as peles mais lindas que já se viram, falando línguas bizarras. Eram dois bandos bem definidos, os brancos sujos mascates e os pretos limpos estrangeiros, ambos muito diferentes de tudo o que ele conhecia. Ele conhecia muito pouco mesmo. E havia os outros, de todas as cores, que entravam e saíam da biblioteca, automáticos como insetos. Teve a impressão de que não existia mais. Estava ali, entre árvores, tribos, insetos, e nada nem ninguém dá por ele. Permanece sentado sob o angico que não dá sombra, sob a nuvem que não dá sombra, sob o sol que não dá descanso.
Mas enfiou a mão no bolso direito, o papel estava lá. Aquele obséquio de nada o trouxera até ali. Ele se levantou. Foi até a entrada e foi além. Os insetos passavam automaticamente por uma catraca, ele seguiu. Havia portas do lado de lá e do lado de cá. Havia duas mesas bem no centro da sala, com uma pessoa sentada em cada, atendendo uma fila curta. Ele se juntou à fila. Uma mulher disse “próximo” e ele era o mais próximo que havia dela. Estendeu a mão, com o papel dobrado.
A mulher disse “hum”, e mostrou à outra, e a outra disse “ah”, e as duas olharam para ele, e a primeira disse “pode esperar um momento” e saiu. Ele esperou, a outra disse “não quer se sentar” e ele não quis.
A primeira mulher voltou com um homem de barba branca, curta, e uns óculos muito redondos. O homem estendeu o papel de volta e disse:
- É um poema de Goethe.
- ?
- É um grande autor alemão.
- ...
- ?
- Então é língua estrangeira.
- Sim.
- ...
- É um poema famoso de Goethe.
- Mas...
- Sim?
- Fui eu quem escrevi.
- Hum.
- ...
- Parabéns. Você é um grande autor alemão.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Faroeste caboclo

Aparentemente, era apenas mais uma tarde de sol impiedoso. Los tres amigos, Juán, Tiago y Julia, rumavam para aquele pequeno oásis de ar condicionado, chocolate gelado e tapioca, sem imaginar o que os esperava. Adentraram o saloon, sem se preocuparem com o ruído de suas botas e suas esporas. Acomodaram-se amplamente numa mesa limpa. Uma mesa exageradamente asséptica. Uma mesinha frozô demais! Blergh! “Já não se fazem mais espeluncas como antigamente, compadre John”, disse Julia. O execrável Tiago concordou com uma gargalhada que deixava à mostra seus dentes apodrecidos e espalhava seu mau-hálito por todo o Café Expresso. Estava claro que havia uma tensão entre os três. Qualquer coisa seria um pretexto para um duelo. Mas eles não podiam imaginar que havia ali um tesouro em troca do qual eles dariam todo o ouro que carregavam com eles.
A um abrir da porta, um vento adentrou o recinto, alcançou o balcão e foi sacudir as folhas novas, exageradamente fresquinhas, de uma edição da... FOLHA DE S. PAULO do dia! Sim, leitor, não era uma Folha de S. Paulo do dia anterior, nem de dois dias anteriores, como era possível comprar nas bancas de Boa Vista. Era uma edição do dia, que certamente fora trazida por algum forasteiro recém-chegado à cidade por meio de algum transporte aéreo moderno, exageradamente moderno! Argh!
Com o farfalhar das preciosas folhas sobre o balcão, los tres amigos se entreolharam, querendo crer que os outros dois não tivessem notado a presença do desejado símbolo de modernidade e preciosa fonte de informação e entretenimento. Qual dentre eles leria primeiro a Ilustrada? Qual poderia folhear primeiro a seção Opinião? Como por obra de uma conjuração do Universo, o rádio tocou uma majestosa trilha de Enio Moricone.
Juán tentou um golpe de suposta ingenuidade: “Comadrezita Julia” - ele disse, sabendo o quanto ela detestava ser chamada de “comadrezita” - “alcance o jornal que está sobre o balcão”... Ela trincou os dentes. Ele concluiu pausadamente: “por favor... Ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha!” Juán e Tiago gargalharam com o irritável gesto de polidez!

* * *

Foi mais ou menos isso que aconteceu ontem. Mas passada a tensão inicial, os três puderam ler a Folha de S. Paulo toda, sem maiores incidentes.

De qualquer forma, essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com personagens ou circunstâncias reais é meeera coincidência.

* * *



Eu estou tentando recuperar o tempo perdido nas últimas semanas, então vou fazer hoje um resumo dos principais acontecimentos. Em primeiro lugar, eu não podia deixar de mencionar o sucesso da segunda temporada do espetáculo de teatro-esporte-improvisação TPM – Todas Pela Medalha (foto), com direção de Carol Araújo, em Campo Grande, no projeto SESC Em Cena. Eu que já tive a honra de ser o apresentador desse espetáculo, fiquei muito feliz de saber que o público compareceu em peso. Com o já diria Cacilda Becker, “teatro cheio renova as esperanças”.

Também aqui em Boa Vista, e também no SESC, assisti esses tempos atrás à comédia De malas prontas, da Cia Pé de Vento, de Santa Catarina. Sinopso (é “sinopso” mesmo, primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo “sinopsar” que eu acabei de inventar): duas mulheres perdem o vôo e são obrigadas a conviver num banco de aeroporto durante algumas horas. Basicamente, é isso. O espetáculo ressalta, pela ausência de falas, a fantástica capacidade expressiva do corpo humano, com grande efeito humorístico. Logo no início, lembrei da abertura do filme "O Baile", de Ettore Scola. As duas atrizes entram pela platéia, com uma trilha sonora, e apresentam seus personagens, como no filme do genial diretor italiano. O espetáculo traz também uma releitura de números clássicos de circo, muito criativa: atiram-se facas, prende-se uma mulher dentro de uma câmara onde se enfiam espadas.

Tive a impressão de que a peça traz uma leitura marxista do mundo: as duas pequeno-burguesas, vítimas da alienação do capitalismo, são incapazes de se comunicarem. Presas em seus individualismos e presas ao fetiche dos itens de consumo (entre eles, a viagem ao exterior), acirram sua disputa de interesses, metaforizando a guerra das grandes potências imperialistas pelo “espaço vital”. Um retrato da barbárie que, segundo Marx, seria intrínseca ao capitalismo. Talvez eu esteja vendo chifre em cabeça de cavalo (ou “barba em rosto de Liberal”). Talvez seja só uma crítica bem humorada da incapacidade do homem contemporâneo de se comunicar e de cooperar para alcançar o bem comum. Assim como dá para ver elementos marxistas, dá pra ver também elementos do Realismo e do pós-modernismo.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Sobre a brevidade de algumas postagens (ou "Tuuudo junto agora...")

Estou alugando apartamento e comprando carro, os dois ao mesmo tempo. Então é imobiliária, cartório, banco, empresa de energia, volta pra imobiliária, vai pro Detran, volta pro cartório, volta pro banco, e parece que não acaba nunca.

Enquanto isso, na Sala de Justiça... A universidade, insensível, não pára para a gente resolver essas coisas (Não devia parar tudo?)... Aula, prova, projeto, tudo ao mesmo tempo.

Está explicado o post curtinho? Alguma objeção?

domingo, 19 de abril de 2009

Shefetah


Esse é o célebre Shefetah com os seus três filhos.

Fotos




Algumas fotos das fontes no Parque Totozão!

sexta-feira, 17 de abril de 2009

"Deixe-me ir, preciso andar...

...vou por aí a procurar
rir pra não chorar..."

(da genial canção composta por Candeia e imortalizada nas vozes de Cartola e Marisa Monte)

Hoje saí da Universidade e resolvi voltar a pé para casa. Para minha sorte, o parque Totozão (!!), que fica bem no caminho pra casa, estava com as fontes ligadas. Aproveitei o acaso e fui celebrar o fim da minha semana com um banho de fonte! Um menino que estava lá me disse que a sexta-feira é o melhor dia porque a água ainda está bem limpa. Melhor ainda! Saí com a bermuda molhada e a mochila nas costas.

No caminho, encontrei um legítimo representante da cultura rastafari! Era um guianense chamado Shefeeta, com o cabelão rasta amarrado em volta de uma faixa e uma camiseta com a estampa do Bob Marley, que está em Boa Vista por uma semana para divulgar seus trabalhos manuais. Estava acompanhado dos três filhos pequenos. "You speak proper English", ele me disse. Eu agradeci. O inglês da Guiana não tem um sotaque muito diferente do americano, pelo menos para o meu ouvido destreinado. Só reparei que em um momento, um dos filhos do Shefeeta chamou ele de "dadiko", que deve ser algo como "papaizinho". Estavam catando tamarindos pelas praça no meio da avenida Ene Garcez. "Hum, I like the green ones", disse um dos meninos. Depois o Shefeeta me disse que ele é vice-presidente da associação de artistas manuais da Guiana! Grande Shefeeta!

Me comprometo aqui a postar as fotos do Parque Totozão e dos quatro guianenses! Não percam, no próximo post!

Ah, amanhã vou para o Tepequém, sítio turístico a duas horas de viagem de Boa Vista, com cachoeiras e outras coisas, que eu ainda não sei bem o que é! Depois conto!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Vendo Honda 2004 (ou "Ei! É pra olhar pro cajueiro, macho!")


O cajueiro é uma árvore emblemática de Boa Vista. Tem cajueiros pela cidade inteira, maiores e mais bonitos do que os poucos que eu costumava ver em Campo Grande ou em São Paulo. Parecem ser árvores nativas, que ninguém plantou, bonitas por natureza. Mesmo sem serem cultivados ou adubados, dão uns cajuzões graúdos, que ninguém apanha de tão comuns e que se perdem pisados nas calçadas.

* * *

Sobre a parte do título do post que se presta a explicação: tentei reproduzir a fala macuxi, semelhante a alguns sotaques nordestinos. O uso do "ei" invocativo, o uso do "macho" somo sinônimo de "cara", "mano", "brother", e outros.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Pseudo-foto-geografia


Pensei em dizer que estou fazendo foto-jornalismo, mas achei pretensioso. Achei que colocando o "pseudo" na frente, ficaria mais modesto. Aí desisti de usar "jornalismo" e resolvi trocar por "geografia", porque é uma pseudo-Geografia de Roraima que eu quero fazer: meu interesse não é retratar os acontecimentos cotidianos, como um jornalista faria, mas tentar criar o meu retrato do espaço geográfico roraimense, com aspectos da natureza e das relações sociais.
Essa foto parece ser um morador de rua, feliz proprietário de uma bicicleta que ele aparatou toda para servir de residência. A placa na parte de trás tem a seguinte inscrição (caso não dê para ler): "patrocínio em alimentação / me atenda com boas intenções". A placa parece ter sido impressa em gráfica rápida, o português está correto (se desconsideramos a próclise do "me", que em brasileiro é de uso corrente), e dá até para dizer que houve uma intenção de rima, talvez um artifício para conseguir a simpatia do público. Além disso, há o capacete, a bandeira do Brasil, uma mistura de signos que me pareceu... sofisticada.
Instalação de arte contemporânea? Seria sim, se o local fosse um museu.
Essa discussão surgiu na última Bienal de São Paulo (a 28ª), por ocasião do andar vazio. Um link para a discussão: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u458970.shtml.

* * *
Entre os milhares de e-mails que eu tenho recebido dos leitores do blog, hoje vou selecionar um. A sorteada é... Carolina Araújo, atriz, diretora e funcionária pública, 26 anos, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A Carolina disse que o blog está parecendo mais um blog de culinária, e por isso deu a sugestão engraçadinha de mudar de Brasil Latitude Zero para Brasil Fome Zero. Está anotada a sua sugestão, Carolina Araújo! Um forte abraço!

domingo, 12 de abril de 2009

Reformulação da identidade regional (ou: o fim do "campo-grandismo"?)

Estou trabalhando em um projeto de história oral com estrangeiros vivendo em Roraima, cujo título provisório é Vida Internacional – Relatos de vivência pessoal de estrangeiros. Acabei conhecendo uma professora do curso de História, Profª. Carla, que trabalhou com migrações e história oral no seu doutorado. Enquanto conversávamos sobre o projeto, ela me disse que é comum o imigrante reformular sua identidade, sua relação com os mitos fundacionais da sua região de origem. Ela comentou o caso dos gaúchos em Roraima (sim, existem gaúchos em Roraima! Existe até um Centro de Tradições Gaúchas bem grande!). Disse já ter ouvido relatos de gaúchos reconhecendo que, quando viviam no Rio Grande do Sul, achavam uma chatice esse negócio de ir ao CTG e que depois que vieram para Roraima tornaram-se admiradores da cultura gaúcha a ponto de participarem de grupos de dança folclórica!
Me reconheci um pouco nessa situação. Nunca fui muito de ser entusiasta da cultura regional sul-mato-grossense (embora sempre tenha sido um admirador de qualquer cultura). Aí, de repente, o fato de estar longe me transforma num babão! Fico cantando em verso e prosa as maravilhas da cultura do MS! O blog é a maior prova disso: já falei sobre a música do Almir Sáter, sobre o grupo Ginga. Aqui com as pessoas, falo sobre como o peixe é preparado em Campo Grande, como o escabeche de Corumbá e mais gostoso que o escabeche daqui, como a costelinha de pacu é uma iguaria única. Digo que o sobá da feira é uma invenção da culinária nipo-campo-grandense, que não existe em nenhum outro lugar. Que Campo Grande tem uma colônia japonesa muito grande. Digo que também existem índios em Campo Grande. Que lá está a maior aldeia urbana do Brasil. Etc., etc., etc., que eu mesmo já me cansei de tanto bairrismo. E justo eu, que pensava que o contrário de ufanismo fosse “campo-grandismo” (mania de ficar achando que tudo de Campo Grande é ruim...).

sábado, 11 de abril de 2009

Ainda a culinária



Depois que “cheguei chegando” nos restaurantes e festas de Boa Vista, experimentando tudo quanto era tempero e ingrediente novo, eu estava resolvido a dar uma acalmada, atendendo a pedidos do meu sistema digestivo. O estômago do roraimense é, antes de tudo, um forte. Uma receita típica, para exemplificar: peixe à delícia. Postas de peixe empanado, com molho de creme de leite e azeitona, coberto com queijo e batata palha, acompanhado de banana frita, arroz e farofa e calor de quarenta graus.
Duas outras frustrações, idéias que eu fazia de Boa Vista que se mostraram falsas (entre muitas outras): eu achava que o açaí e a castanha-do-pará seriam de ótima qualidade, fartos e baratos. Infelizmente, não. Existem em grande quantidade e são relativamente fáceis de achar, mas... Conversei hoje com um professor paraense, Luiz Otávio, que também acha que o açaí de Boa Vista não é bom. Segundo ele, o caroço é batido além do ponto, o que produz o que ele chamou de “travo”, uma espécie de fundozinho amargo no sabor. Além disso, fazem o açaí com uma textura muito fina, quase um caldo, diferente do açaí paraense, que fica cremoso, quase um sorvete. A castanha-do-pará é sim abundante, mas não é barata, nem em qualidade superior à encontrada em Campo Grande ou Brasília. Ao contrário, encontra-se para vender a castanha de padrão inferior, tamanho menor do que o “tipo exportação” que vai parar nos mercados das cidades maiores.
Em compensação, para não dizerem que eu estou implicando com tudo, e para inaugurar uma nova etapa no blog: posto a foto do peixe grelhado que se come no Peixe Mania, considerado a melhor peixaria de Boa Vista. Realmente muito gostoso, magrinho, bem passado, com batata sauté, arroz branco, farofa e feijão catador. Se não me engano, é uma dourada (não confundir com o dourado, que a gente encontra na Bacia do Paraná e do Paraguai). No fundo da foto, estão a Profª. Adriane Augusta, da Arquitetura, e a Julia. Ah, a máquina é a digital do meu telefone celular.

* * *

Mais tarde, fui à praia do Rio Branco com o Thiago e a Pilar. Eles ainda não tinham almoçado. Tomamos uma cerveja, conversamos um pouco de bobeira, me contaram sobre outro dia em que tinham visto o boto, e dali a pouco começamos a sentir um cheiro bom de peixe frito. Vinha da barraca da Dona Sebastiana, uma indígena de uns cinqüenta e tantos anos, que estava com toda a família. “A senhora serve um peixinho frito?”. Ela disse que servia por vinte reais. “Vinte reais?” Ela deixou por quinze, acompanhando baião-de-dois, farofa, vinagrete e pimenta. “Essa matrinchã aqui” – e me mostrou o peixe de pouco mais de um palmo de comprimento, dentro do isopor com gelo e que, depois eu descobri, fritinho tem um gosto bem familiar, parecido com o de lambari. Topamos. Era o fim do armistício com o meu sistema digestivo.
Já estava no comecinho da noite. A praia estava pequena porque o rio estava alto. O que acontece quando a praia está pequena? Apareceram os maiores predadores de Roraima. Carapanãs! Fomos carapanizados à queima-roupa. O homem, topo da cadeia alimentar? Nada. O peixe come a alga, o homem come o peixe, o carapanã come o homem.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Ainda os quadrinhos

Estou redescobrindo os quadrinhos, graças ao acervo da Julia que fica o tempo todo à minha disposição (o acervo, não a Julia), no mesmo quarto que agora eu chamo de meu. Essa moça que faz questão de se definir como “jornalista”, que trabalhou em um jornal em Franca durante a sua graduação, que estudou a mídia na cobertura da Guerra do Iraque e que está sempre procurando mais formas de interação entre as Relações Internacionais e as artes, essa moça tem uma coleção razoável de quadrinhos adultos. Eu já comentei sobre a série “Buda”, do Osamu Tezuka. Ela tem também alguns exemplares da série “Adolf”, do mesmo Osamu Tezuka, outros do Joe Sacco, como “Palestina – Uma nação ocupada” e “Uma história de Sarajevo”. Também li “Leões de Bagdá”, cujos autores não me lembro, que peguei emprestado de um aluno do terceiro semestre, o Rafael, e que já devolvi (e por isso não tenho como citar o nome dos autores agora). Tenho preferido os quadrinhos ao cinema. E mesmo no cinema, o último filme que fui ver, o único até agora aqui em Boa Vista, foi “Watchmen”, inspirado em quadrinhos.

Breve história da minha relação com os quadrinhos
Eu li quadrinhos durante toda a minha vida. Meus preferidos eram Turma da Mônica quando eu era criança, com ocasionais leituras dos quadrinhos da Disney, e quando entrei na pré-adolescência, X-Men. Meu primeiro contato foi com um especial, “Vingadores versus X-Men”. Aquele bando de heróis mutantes foras-da-lei, que por algum motivo arranjavam uma briga com Capitão América e companhia limitada e ainda davam conta de escapar sem nem um arranhão na dignidade me conquistou. Procurei saber mais sobre eles. Em pouco tempo, estava colecionando. Comecei a comprar a edição brasileira de X-Men pela editora Abril quando ela estava por volta do número 40. Cheguei a encontrar todos os números anteriores, nos sebos de Campo Grande. Revirei os reservatórios do Maciel e do Hamurábi, desempilhando e escavando dezenas de revistinhas empoireadas. Eram uns baciões retangulares de algo em torno de um metro de profundidade. Cheguei a ter todos os números desde o 1 até o 75. Os últimos que faltavam para a coleção, nunca vou me esquecer, foram o 18 e o 23. E por um acaso fantástico, um dia meu pai entrou em casa com o número 18 na mão! Era o último que faltava! Todos na minha casa sabiam disso. Ele estava andando pela rua e viu o X-Men 18 numa banca. E comprou para mim. Anos mais tarde foi também o meu pai que me convenceu a me livrar da minha coleção porque eu já estava velho demais para ler gibis. Mas não o culpo, quem se deixou convencer fui eu. E além disso, eu já não estava mais disposto a continuar comprando os gibis todo mês. A Abril tinha lançado outras revistas de X-Men, o formato tinha aumentado (de formatinho para formato americano), o preço tinha subido. E havia mesmo uma crise na Marvel nos Estados Unidos. Os X-Men já não eram mais os mesmos. Todo x-maníaco que viveu essa época vai concordar que houve um período muito chato nas estórias do grupo no final da década de 90.
Depois disso, tive grandes experiências com a "Mafalda", do Quino, "Calvin e Haroldo", do Bill Watterson, e o erótico "Clic", do Milo Manara. Falo mais sobre eles outro dia, porque eles merecem um post só para eles.

Novas experiências: eu e os quadrinhos em Boa Vista
Já falei sobre o “Buda” do Osamu Tezuka. Nada menos que fantástico. Estou definitivamente convencido de que Tezuka é um grande gênio, não somente dos quadrinhos, mas também da literatura e talvez até da História. Parafraseando uma jornalista que se referia à Marília Pêra no filme Central do Brasil (sim, a Marília mesmo, não a Fernandona): “Feliz do país que tem uma atriz como essa”. Feliz do Japão por ter um cartunista como esse. A série "Adolf" é de uma sensibilidade incrível. Ele consegue unir a narrativa histórica, os fatos considerados verdadeiros na historiografia, e relacionar os personagens desses acontecimentos, buscando minúcias de suas vidas pessoais, suas relações, tão complexas, tão imbricadas umas nas outras, que é difícil acreditar que não seja ficção. Tezuka nos deixa em dúvida o tempo todo sobre a veracidade de sua própria história, e mais, sobre a História toda. Não sei se ele faz isso de propósito, mas sua obra corrobora com a sugestão da pós-modernidade de que toda narrativa é tão privilegiada quanto qualquer outra narrativa. Especificamente em "Adolf", Tezuka, um autor tão capacitado na produção do humor, reserva-se o direito de ser sério, produzindo um tom respeitoso e documental, sem nunca perder o ritmo da produção do suspense.
Joe Sacco não me parece, pelo menos até agora, tão genial quanto Tezuka. Mas não tenho dúvida de que é também um clássico instantâneo, alguém que estamos fadados a continuar lendo e relendo ao longo desse século. “Palestina – Uma nação ocupada” é um livro importante, que desconstrói vários mitos construídos para justificar a criação do estado de Israel, mostrando seu anacronismo, sem resvalar para o revanchismo ou a incitação à violência. Acima de tudo, expõe a contradição de um povo que, tendo sido vítima das agruras de uma opressão militar covarde – como foi o caso do povo judeu sob o Nazismo –, pouco tempo depois, comporta-se tão covardemente quanto seus antigos opressores (embora em menor proporção e sem pretensões genocidas).
Lado a lado, "Adolf" e "Palestina", de Tezuka e Sacco, produzem um lamento comovente pela incapacidade humana de evitar a guerra. As Relações Internacionais, como ramo do conhecimento, se propõem a pensar a guerra e a paz, em como evitar uma e como prolongar a outra. Mais que os outros ramos das ciências sociais, é um campo novo, cheio de dúvidas e incertezas. Torço para que consiga, nesse século – meu tempo de sobrevida – alcançar mais compreensão entre os povos e colaborar para banir a covardia humana, pelo menos como prática estatal corriqueira.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Antique, Bombonzão e outras graças

Ontem fui pela primeira vez a uma boate aqui em Boa Vista, chamada de Antique. A festa era tributo ao Rappa, com uma banda bem razoável (lembrando que "bem razoável", pra mim, é elogio). Apesar da homenagem ao Rappa, o ponto alto da noite foi terem tocado "Could you be loved" do Bob Marley. O lugar era interessante. Meio apertado e meio escuro demais, e o atendimento meio caótico, mas nada insuportável: ou seja, bem parecido com a maioria das boates a que eu já fui. Outro ponto positivo é ser perto da orla do Rio Branco, o que dá um ar pitoresco.

Agora, a segunda parte do título do post: hoje acompanhei a Julia até o "Bombonzão", uma loja de doces e chocolates. Não bastasse o nome, mais engraçado ainda é o "subtítulo" da loja: "O mundo doce dos negócios"! Será uma bolsa de mercados e futuros de doces? Imagino a cena: "A jujuba caiu! Compra! Compra! Eu vendo paçoquinha!" Ou então é uma bolsa de valores onde as pessoas são doces, gentis e educadas... Em vez daquela balbúrdia que se vê nos pregões, todos pedem por favor, dizem obrigado e esperam a sua vez...

Outra curiosidade é a loja onde vendem Triton e Forum: "Loja de Descontos", tudo marcas famosas, mas tudo com desconto!

Alguém já viu coisa parecida?

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Onde o bizarro encontra o improvável

Quais as chances do trator passar por cima justo do cabo da internet que abastece a universidade inteira? Pois então. Vai ser bom de mira assim lá longe. O trator acertou o cabo. A universidade ficou desinternetizada. (Antes de ser desinsetizada)
E aí estou aqui no cybercafé, onde a internet agora é via satélite (antes era via rádio) e conseguiu ficar ainda mais lenta do que antes. E as pessoas ainda me pedem para postar fotos! Como é que se posta foto desse jeito?!
Sem comentários.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Fim de semana trabalhado

Depois do trauma da última segunda-feira (Ah, o café...), resolvi abrir mão dos passeios no fim de semana e me concentrei no trabalho. Nem o blog eu atualizei. Aliás, momento crucial esse em que se encontra o blog. É um vai-ou-racha de postagens. Quer dizer, ou decido levar mesmo adiante o projeto Brasil Hemisfério Norte, a despeito das dificuldades, ou agora deixo logo pra lá e vou ocupar meu tempo com formas menos virtuais de me relacionar com as pessoas. O futuro dirá.

Essa semana dou aula só na de segunda a quarta, já que às quintas meu horário é livre e essa santa sexta-feira é santa. Meu plano então é me adiantar um pouco na preparação das aulas do mês para ter tempo e tranqüilidade para me dedicar também aos projetos de artigos e capítulos de livro e ao projeto de projeto-de-doutorado.

Enfim, aqui estou no domingo à noite (embora a postagem saia só na segunda, por motivos técnicos), tomando uma cerveja pra me dar aquele sono-dos-justos daqui a pouco e escrevendo amenidades por falta de assunto melhor para postar.

Amenidades: 1) cozinhei um arroz-com-lentilha e umas almôndegas com tomate, porque estava de saco cheio de comer comida de restaurante todo dia. Comi no almoço e o repeteco na janta; 2) essa semana uma chuvona deu uma amenizada no calor. Está correndo uma brisa boa e tem pouco carapanã; 3) estou achando graça do meu estilo grandiloquente... “trauma da última segunda-feira”, “vai-ou-racha de postagens”, “O futuro dirá”, “sono-dos-justos”... Pra quê ser dramático desse jeito?

Ah, lembrei de algo que vale a pena ser postado! No almoço de sábado, eu e a Julia encontramos uma professora da UFRR no restaurante, acompanhada de uma amiga. A professora é negra e a amiga é indígena. A professora é espírita e a amiga é budista. Então o repertório de casos de preconceito era grande. As duas, muito bem humoradas, contaram suas estórias dando risada – porque o ambiente era de tolerância e ninguém ali estava subestimando a gravidade dos casos. Só para ficar com um:

A professora negra foi inscrever-se num concurso que tinha vagas que iam desde médico até faxineiro. A funcionária pergunta: - Qual é a vaga para que você quer se inscrever? Ela responde: - Psicóloga. E a funcionária, espantada: - Mas é preciso ter nível superior! A professora termina a conversa com um cala-boca à altura: - Mestrado serve? Lamentável que ainda exista esse tipo de comportamento.

Outra anedota que vale a postagem, mais cômica mas não menos trágica, dessa vez para baixar a bola da classe intelectual. Segundo a Julia, é uma tirinha do Hagar, que o professor orientador dela, o grande Estevão Rezende de Martins, entregava para todos os seus orientandos no início da orientação. Descrevo:

O amigo magrelo do Hagar vê uma oferta de emprego na tenda do Druida e entra para a entrevista.

O Druida: Você sabe ler?

O amigo magrelo do Hagar: Eu tenho pós-graduação.

O Druida: Não fuja da minha pergunta.

Encerro o meu caso.

terça-feira, 31 de março de 2009

Ah, o café...

Se não me engano, é no filme A filha de D'Artagnan que existe uma nobre viciada em café. A bebida vinda do Oriente Médio acabou de chegar à Europa, para libertar a nobreza da "prisão do sono". A necessidade de dormir é mesmo uma circunstância desagradável da condição humana. É também um prazer único, mas quem nunca passou pela situação de precisar varar a noite? Ou de desejar que isso aconteça e ser acometido por um irresistível sono?
Isso me aconteceu ontem.
Eu precisava preparar quatro horas de aula sobre a história do entre-guerras (1919-1939) e ainda não tinha nem terminado de ler os textos obrigatórios. Não satisfeito, fui passar uma hora e meia na academia... Cheguei em casa mais cansado ainda, tomei banho, comi alguma coisa e o sono bateu gostoso. Decidi ir dormir (eram 10 e meia da noite) e coloquei o despertador para as 2 da manhã! Dormi as minhas 3 horas e meia e levantei, até muito bem disposto.
Aí é que entra o café. Atendendo a pedidos, a bendita Julia tinha deixado uma garrafa desse líquido precioso ao meu alcance. Tudo meu! Só meu! My preciousss!
Fui tomando café e preparando aula na calma da madrugada boa-vistense... Tratado de Versalhes, ruína da segurança coletiva, Tratado de Locarno, Hobsbawm, Carr, forças profundas, crise de 1929, Keynes, appeasement, resumindo: essa marcha de insensatez que é a história do começo do século XX.
Terminei de preparar às 5 e meia da manhã. A aula só começava às 8. Eu podia então voltar para a minha cama e dormir pelo menos mais uma hora, ou pouco mais. Mas quem disse que eu conseguia? Era tanto café que eu estava libertado dessa condição humana.
Fiquei rolando na cama.
Agora o efeito do café está passando e eu estou voltando à minha condição de reles mortal... e não vejo a hora de ter as minhas boas oito horas de sono...

segunda-feira, 30 de março de 2009

Pôr-do-sol sobre o Rio Branco

Esse sábado, fui visitar uma praia do Rio Branco. É isso mesmo. O Rio Branco, de tanto subir e baixar de nível, formou praias. A menos de cinco minutos do centro de Boa Vista, fica a Praia Grande. Por R$ 4 por pessoa, se atravessa de barco para a outra margem, onde fica a areia e de onde se tem uma vista da cidade. Fomos lá, eu, Thiago e Pilar. Tinha gente de jet ski, gente acampando. Ah, tem também aula de windsurf. Nós só tomamos banho de rio, ficamos conversando e dando risada e assistindo a um pôr-do-sol fantástico, a chegada de um céu estrelado e de uma lua fininha, quase lua nova.
Fiquei melancólico.

Coração embrulhado

TANTA SAUDADE

"Era tanta saudade
É pra matar
Eu fiquei até doente
Eu fiquei até doente, menina
Se eu não mato a saudade
É, deixa estar
A saudade mata a gente
A saudade mata a gente

Quis saber o que é o desejo
De onde ele vem
Fui até o centro da terra
E é mais além
Procurei uma saída
O amor não tem
Estava ficando louco
Louco, louco de querer bem
Quis chegar até o limite
De uma paixão
Baldear o oceano
Com a minha mão
Encontrar o sal da vida
E a solidão
Esgotar o apetite
Todo o apetite do coração

Mas voltou a saudade
É, pra ficar
Ai, eu encarei de frente
Ai, eu encarei de frente, menina
Se eu ficar na saudade
É, deixa estar
A saudade engole a gente
A saudade engole a gente, menina

Ai amor, miragem minha
Minha linha do horizonte
É monte atrás de monte, é monte
A fonte nunca mais que seca
Ai, saudade, inda sou moço
Aquele poço não tem fundo
É um mundo e dentro um mundo
E dentro um mundo e dentro um mundo
E dentro é o mundo que me leva"

Lembrei hoje dessa música do Djavan e do Chico Buarque. É bem mais fácil exprimir um sentimento usando um sentimentozinho já empacotado e embrulhado pela poesia de alguém. Tá aí uma boa definição pra música: um embrulho de sentimento.

Vou ficando com esse embrulho no estômago. Ou melhor, é como se o coração fosse igual ao estômago, e a gente tivesse que encher... Eu com uma fome danada, com o coraçãozinho vazio, vazio, o pobre. Com indisposição, sem vontade de comer... É como diz a música: a solidão estraga o apetite do coração... Dá embrulho. Não sei se saudade mata a gente. Mas se não mata, maltrata.

* * *

A vida da gente é uma aventura. É esse tudo-o-que-está-por-vir, e que por isso mesmo é desconhecido. É esse jeito de esperar o futuro, a que ninguém pode se furtar. Porque o futuro vem para todo mundo, bom ou ruim. E aquele que nunca teve medo, que atire a primeira pedra. Por isso é que nessa aventura, há três escolhas possíveis: ser o herói, o palhaço ou o vilão.

O herói é o único que vence o medo. Apesar do medo, prossegue. Enfrenta as dificuldades do caminho, se estrepa até o finalzinho, pra só nos últimos cinco minutos do filme poder ficar com a pessoa amada.

O palhaço fica paralisado pelo medo. Perde o senso do tempo, esquece que pra se dar bem no final, é preciso passar muito perrengue. Corre o risco de ficar ridículo.

O vilão é, dos três, o que sente mais medo. É mesmo um pânico. Tanto, que acaba tentando atrapalhar a vida dos outros, com a ilusão de que pode se dar bem fazendo isso. Esquece que no final, o bem sempre vence.

E a maior aventura de todas, a de saber se se é vilão, palhaço ou herói, só termina no futuro... A qualquer momento, nos últimos cinco minutos da vida de cada um...

sexta-feira, 27 de março de 2009

Uma publicação pela UFRR!

Olha só! Tenho minha primeira publicação pelo site da UFRR, escrita em conjunto com os professores Thiago e Julia. Aproveitamos a ocasião da visita da Profª. Bertha Becker e escrevemos um textinho curto sobre a sua contribuição à área das Relações Internacionais.
Aí vai o link: http://www.ufrr.br/coordenadoria-de-imprensa/artigos/berta-becker-contribuicoes-ao-estudo-das-relacoes-internacionais .
Saiu com foto e tudo!
Não sei se fizemos jus à obra da Profª. Becker, mas como um pequeno mémoire acho que foi válido.

terça-feira, 24 de março de 2009

Minha tribo e tribos vizinhas

Hoje conheci a segunda das duas turmas que eu vou acompanhar, alunos do primeiro e do terceiro semestre. Me receberam bem, as primeiras aulas fluíram muito gostoso. Parece que vou ter uma dinâmica tranquila, descontraída. Acho que vou conseguir resgatar a maneira como eu mais me divertia dando aula, que era ensinando Inglês. Não é porque vou lidar com temas sérios que não posso ter uma relação tranquila com os assuntos e com os alunos. Acho que vou me divertir com a minha tribo.

Essa semana muita coisa legal acontece: amanhã tem uma palestra com o vice-cônsul da Guiana e sexta-feira tem outra com a grande geógrafa brasileira Bertha Becker, especialista mundialmente reconhecida em geopolítica do Brasil e da Amazônia.

Também nessa sexta e no sábado, acontece a colação de grau da primeira turma da Licenciatura Intercultural, curso de formação de professores indígenas. A UFRR é a primeira universidade do Brasil a implantar um curso de formação de indígenas em nível de graduação. Fiquei muito feliz em saber, emocionado mesmo: sempre pensei cá comigo que a política indigenista brasileira deveria se preocupar em promover o desenvolvimento dos povos indígenas incentivando sua busca autônoma de soluções por meio de uma educação moderna e voltada para a compreensão do mundo contemporâneo e para a atuação nesse mundo. A tribo vizinha vai ter festa de formatura! Depois eu aviso se eu for.

segunda-feira, 23 de março de 2009

"Bem vindo à Amazônia"

Sábado foi o churrasco da turma de calouros do curso de Relações Internacionais da UFRR. Lá fomos nós, o “corpo docente”, fazer aquele comparecimento de praxe : Julia, que é a coordenadora do curso, Thiago, que é o chefe do departamento, e eu, o professor substituto novo. Lembrei dos churrascos a que eu tinha ido quando era aluno e dos professores que apareciam, sempre uma situação meio embaraçosa. Eu como aluno não fazia muita questão de ser amigo dos professores. Era só manifestar um respeito, uma consideração e boa! Enfim, lembrando dessas coisas, fui imaginando como seria estar do outro lado.
Depois de uma meia hora ou pouco mais de reconhecimento, comecei a ficar a vontade. Não bebi quase nada de álcool. Mas os carapanãs estavam atacando bravo!

Pausa para viagem
Lá vinham eles: a tribo do carapanãs! Os maiores guerreiros de toda a Amazônia, montados em suas lhamas e trazendo as suas lanças embebidas em veneno de sapo alucinógeno...

Pausa para tradução
Não, não. Na verdade, “carapanã” é como os roraimenses chamam os pernilongos. Mas eu não consegui perder a piada.

Outras palavras do léxico roraimense:
Macuxi
: sinônimo para roraimense. Está para roraimense como potiguar está para quem nasce no Rio Grande do Norte ou como capixaba para quem nasce no Espírito Santo. É o nome de uma tribo da região, e então o povo adota como identidade local. Inclusive, acho que no Mato Grosso do Sul, deveriam adotar também o guaicuru como gentílico.
Curumim: menino. Essa acho que todo mundo já sabia. Mas aqui usam no cotidiano mesmo. É engraçado. Sabe quando a gente passa na frente da boate e sai dizendo que não está bom porque tem muita gurizada? Ou que só tem criança? Aqui dizem que só tem curumim.

Pronto. Eu tinha parado no ataque dos carapanãs. Pois bem. Era muito pernilongo. Eu e o Thiago estávamos de bermuda. A festa era numa mansão bonitona, com piscina e tudo. Olhamos para a piscina e pensamos que lá dentro não teria carapanã nenhum. Quando a Julia ouviu isso:
“Vamos entrar?”
“Mas de roupa?” (ela estava de vestido longo, hipponga)
“É.”
E aí já topamos. Esperamos mais um pouco, para um momento mais adequado, até que alguém começasse a jogar algum calouro na piscina. Dali a mais meia hora, já estávamos os três professores dentro d’água, jogando dominó e truco numa mesinha boiando, tomando banho em baixo da cascata e rachando de rir de nós mesmos. O Thiago vai à festa dos calouros, qual é o nome do filme? Um professor aloprado. A Julia vai à festa dos calouros, qual é o nome da peça? Uma professora muito maluquinha.
Por um momento, eu me vi parte de uma geração. Uma geração da Academia de Relações Internacionais, egressos da Universidade de Brasília, pesquisadores de história das relações internacionais. Nós três ali juntos, aqui no hemisfério norte, ouvindo reaggaton na Rádio Equatorial, às vezes nos perguntando o que nós estávamos fazendo nessa lonjura e rindo das nossas maluquices, tudo isso foi uma sensação muito boa.
Ou talvez não. Talvez o gostoso mesmo tenha sido sentir um friozinho, por causa de estar molhado, só metade dentro d’água. Que saudade eu estava de sentir um friozinho! Como é gostoso sentir aquela tremida nas costas quando bate o vento!
Mas as boas-vindas à Amazônia não tinham acabado. Fomos embora da festa. Chegando em casa, a Julia viu algum bixinho atrás do violão. Pensei que seria uma mariposa ou grilo. Era um rato! Ela começou a gritar e lá fui eu tentar espantar o rato. Ele saiu correndo de detrás do violão e entrou embaixo da geladeira. Abri a porta dos fundos para ele sair. Ele parou um palmo depois da geladeira, eu com o rodo na mão, a Julia em cima da cadeira.

Pausa para viagem
Nessa hora, é como se o tempo tivesse passado devagarinho. Eu olhei para o rato e disse, em pensamento, como alguns personagens do tempo do Buda sabiam fazer: “Ali, sai ali pela porta dos fundos.” Calmamente. Ele estava parado, calmo também. Aí ele respondeu: “Mas eu quero sair pela porta da frente”. A Julia gritou: “Não mata ele não, é filhotinho!” Aí eu respondi para ele: “Então pode sair”. E ele saiu, corajoso, numa corridinha, direto pela porta da frente, passando do meu lado e quase por baixo da cadeira onde a Julia estava. E eu cumpri a primeira lei: não matarás.
Quando ele saiu, a Julia virou pra mim e disse: “Bem vindo à Amazônia”.

Obs.: Antes que me perguntem. Eu ainda não tive acesso a nenhum sapo alucinógeno.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Ensinar é...?

Estou trabalhando nos programas das minhas disciplinas. Vou dar Geografia Regional do Mundo, para o primeiro semestre, e História das Relações Internacionais II e Sociologia e Relações Internacionais para o terceiro semestre. Está dando bastante trabalho, mas acho que fazer um programa assim bem detalhado vai ajudar muito ao longo do semestre, para eu me orientar e para os alunos também.

Alguém pregou na parede do departamento: "Ensinar é mostrar aos outros que sabem tanto quanto você", Richard Bach. Desse tal de Richard Bach eu nunca tinha ouvido falar. A frase dele, menos. De cara, eu tinha simpatizado. Tinha me parecido uma perspectiva bem humilde para um professor. Aí no dia seguinte apareceu a Julia, deparou com a mesma frase e soltou: "Que frase horrível é essa?" E saiu analisando, furiosamente: "...Aos outros? Que outros? A todo mundo? A todos os seres (supostamente) inferiores que são os alunos?"... "Que eles sabem tanto quanto você? Que grande ser iluminado é esse que tem tanto assim a despertar nos outros?" E saiu dizendo que ia mandar arrancar a frase da parede...

A frase pareceu mesmo ruim. Agora estou levando esse episódio a sério. Quero estar atento para reconsiderar outros posicionamentos. Espero poder reconhecer outras vezes que tinha interpretado errado algum texto ou alguma imagem. Estou certo que essa perspectiva humilde vai funcionar bem para mim. Ainda mais agora que estou lendo a série "Buda", do Osamu Tezuka. É a biografia do Buda contada em mangá, vencedora do prêmio Will Eisner de 2003. Estou achando sensacional. Recomendo para todo mundo.

Ah, recomendo também o blog de um grande amigo e grande fotógrafo, o João Samam: www.amigosdopernas.blogspot.com. Tem algumas fotografias incríveis, umas tiradas com a câmera do celular. Muito bonitas!

E por lembrar do João, lembrei da Carlota também, e de outra frase que está aqui na parede do Departamento de Relações Internacionais:

"Todos esses
que aí estão
atravancando
meu caminho
eles passarão
eu passarinho"
Mário Quintana

Essa é pra você, Cacá. Saudades de todos em Campo Grande! É como a própria Carlota falou quando foi se despedir de mim: "Você vai fazer falta. Mas o que me consola, é que nós vamos fazer mais falta ainda para você!" A mais pura verdade! Beijos!

terça-feira, 17 de março de 2009

No calor dos acontecimentos

Estou vivendo o calor dos acontecimentos. O dia da minha aprovação no concurso para professor substituto foi o mais quente aqui em Boa Vista até agora. E o hábito dos boa-vistenses de ficarem o tempo todo com os aparelhos de ar-condicionado ligados provoca constantes choques térmicos. Não é nem um pouco gostoso.
Além disso, passei no concurso com pouquíssima margem de vantagem sobre o segundo colocado! Imaginem só, vir até Boa Vista e não passar, teria sido meio humilhante. Essa estória toda me deixou pensando: o que é pra ser é pra ser? As coisas acontecem como deveriam? É parte do meu destino estar em Boa Vista em 2009? Existe alguma força universal conspirando a meu favor? Ou contra mim?
Agora já fui jogado no olho do furacão: as aulas começam semana que vem e eu ainda estou preparando os programas, selecionando bibliografia, tentando estudar.
God save the Queen of Hearts.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Entre a Física Aplicada, a Gastronomia e as Relações Internacionais

Pode ser muita idiotice, mas eu estava pensando esses dias: será que a velocidade da rotação da terra é maior aqui pertinho da linha do Equador? Imagine a Terra como um jogo de marchas de bicicleta. Lá perto do trópico de Capricórnio a catraca é mais estreita, aqui perto do Equador, a catraca é mais larga. Considerando que os dois levam o mesmo tempo pra realizar a volta completa sobre o eixo, a catraca maior tem que imprimir uma velocidade maior! Não faz sentido mesmo? Talvez isso explique o desconforto que eu senti nos primeiros dias aqui, e que vai passando aos poucos. Talvez o corpo da gente sinta o efeito da velocidade maior, mesmo que a gente não perceba que está girando. Talvez seja algo como aquele frio na barriga que dá quando se desce muito rápido uma ladeira.
No mais, tudo bem. Boa Vista continua rica como experiência gastronômica. Ontem comi moqueca, vatapá e tambaqui assado, tudo delicioso.
Hoje é o dia do concurso para professor substituto. Estou esperando o sorteio dos temas e o agendamento dos horários. Parece que tenho boas chances porque na prova de títulos consigo fazer a nota máxima, que são 60 pontos. Os 40 pontos restantes são para a prova didática. Vamos ver o que vai dar.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Acomodando

Hoje de manhã chegou a cômoda que eu comprei pra colocar minhas roupas. Estou começando a me acomodar em Boa Vista.

Interlúdio: Ontem fiz o primeiro passeio a pé. Acho que caminhar é bom para sentir mais concretamente o lugar, medir as distâncias com o pé, montar o mapa mental. Fui por uma das avenidas principais da cidade, a poucas quadras de distância da minha casa. No canteiro central, existe um complexo de lazer, chamado de Praça das Águas, muito bonito. São vários quilômetros de quadras de esportes, pistas de kart, fontes luminosas, restaurantes e lanchonetes. Fui até uma parte que imita a praça na frente do museu do Louvre em Paris, com aquelas pirâmides de vidro e as fontes de água. Pretensioso, mas divertido.

Logo depois da chegada da cômoda, apareceu em casa o Thiago, me convidando para uma ida a um antigo igarapé transformado em açude, com cascata artificial e quiosques com mesinhas: o Recanto do Dedé. Fui iniciado no dominó complicado dos roraimenses, jogado em duplas, com contagem de pontos e jogadas nos quatro eixos da peça inicial! Comi tapioca com queijo, que acompanhava leite e café. Cerveja opcional. Tocou a versão em forró de "Meiga senhorita" e de "Yolanda". Prometi virar a mesa se maculassem mais algum clássico do MS! A combinação de tapioca, café, cerveja, banho de igarapé, dominó e forró deve ser única no mundo...

Depois do mergulho no igarapé, banho na cascata, e cinco vitórias seguidas movidas a sorte de principiante, almoçamos uma galinha caipira ensopada, com espaguete, arroz, feijão, farinha e salada, e doce de leite de sobremesa.

Vida ruim!

terça-feira, 10 de março de 2009

Descoordenado

Peguei o avião em Campo Grande às 5 da manhã, rumo ao norte. Primeira parada, uma escala em Goiânia. De lá para Brasília. Uma hora depois, conexão para Manaus. Exceto a saudade e a emoção da partida, tudo ia monótono como a maioria das viagens de avião. Minha vista da floresta amazônica estava encoberta. Acordei de um cochilo. As nuvens raleavam. Comecei a avistar muita floresta e muita água. Diversas vezes achei estar vendo o rio Amazonas. Não. Eram afluentes e igarapés e represas naturais, repetindo-se como num padrão minimalista. Finalmente, apareceu o Rio dos Rios, o maior rio do mundo, no meio da maior floresta do mundo. E eu estava ali. A sensação apenas comparável à vista do Rio de Janeiro de cima do Pão-de-Açúcar. Do outro lado, o Rio Negro. Era o encontro das águas. Ao lado, a cidade de Manaus. Pousei novamente, para uma escala. "Incrível como Boa Vista cresceu", disse-me uma senhora sentada na fileira atrás da minha, e explicou: "Antigamente sempre se encontrava um conhecido no avião para Boa Vista. Hoje, veja só, não conheço ninguém". Pouco depois, pousei no meu destino final, Boa Vista, à 1 e quinze da tarde. Chamou-me a atenção o relevo plano, a vista do Rio Branco e o aeroporto, moderno, mais moderno que o aeroporto de Campo Grande, com plataformas para desembarque e escadas rolantes levando à esteira de retirada de bagagem.
Ali me esperava a amiga Julia, ex-colega de mestrado em Brasília, que me deu as boas vindas. Mostrou-me rapidamente as principais avenidas da cidade, no caminho para o restaurante Marina Meu Caso, à margem do Rio Branco, com vista para a praia fluvial na margem oposta. Lá já estava o Thiago, e um belo tambaqui assado, acompanhado de arroz com feijão de corda, vinagrete e dois tipos de farinha.
Dali fomos para a casa da Julia, onde eu devo me instalar pelo menos nos primeiros dias... talvez semanas, talvez meses... Vai depender da paciência da Julia. A casa pareceu muito boa, bem mais ampla do que onde eu estava habituado a morar em Brasília. A internet é pelo modem da TIM, a famigerada conexão T'IMganei! Na Universidade, onde fui fazer minha inscrição para o concurso de professor substituto, existe internet a rádio, mais potente.
Apesar das boas impressões, a sensação por enquanto é de deslocamento. Um deslocamento físico, como se o corpo conseguisse identificar a mudança de coordenadas. Estou meio descoordenado.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Aqui do que tem, não falta nada...

Minha festa de despedida foi um resumo de tudo de bom que existe em Campo Grande. Começou com show do Dimitri Pellz no Parque das Nações Indígenas. Maíra e Jean deram o espetáculo habitual, ela com bigodinho e gravata em homenagem ao dia internacional das mulheres. Teve direito à chegada de uma abençoada frente fria, que aplacou o calor que vinha fazendo. Com a presença da Carol, do Roger, da Carlota, do Tofu, do João, do Ricardo e da Aline, a festa continuou no Mercearia, onde esperamos a chegada da Moeminha, de pé quebrado e tivemos a imprevista visita da Dra. Spinoza, grande especialista mundial em candidíase.
Aos que quiserem me visitar em Boa Vista, o primeiro comboio já está decidido: partem de Campo Grande numa tarde fria de outono numa kombi azul bebê, pegam o balão de Rondonópolis até Ji-Paraná, depois seguem de barco pela Amazônia até Manaus, e finalmente, fazem o último trecho de mil quilômetros a pé, com a carga no lombo de nativos e lhamas. Estão todos convidados!

quinta-feira, 5 de março de 2009

Rumo ao hemisfério norte

Está decidido. Vou me aventurar em Boa Vista, tentar uma vaga na Universidade Federal de Roraima, no curso de Relações Internacionais. Acabei de concluir o mestrado na Universidade de Brasília e acho que vai ser bom ter essa experiência no meu currículo. Pego o avião no dia 10 de março e fico por lá esperando até abrirem o concurso.
Esse blog aqui foi a maneira que eu encontrei de continuar me comunicando com os meus grandes amigos que vão ficar em Campo Grande: Carlota, João, Carol, Roger e grande elenco. Podem acreditar, é um grande elenco mesmo: gente criativa, engraçada, interessante, talentosa, que vai fazer uma falta danada na minha vida.
Por enquanto, ainda tenho eles por aqui. Então vou terminar logo esse post e vou sair pra me despedir das ruas de Campo Grande... e dos melhores amigos que alguém pode ter.