segunda-feira, 23 de março de 2009

"Bem vindo à Amazônia"

Sábado foi o churrasco da turma de calouros do curso de Relações Internacionais da UFRR. Lá fomos nós, o “corpo docente”, fazer aquele comparecimento de praxe : Julia, que é a coordenadora do curso, Thiago, que é o chefe do departamento, e eu, o professor substituto novo. Lembrei dos churrascos a que eu tinha ido quando era aluno e dos professores que apareciam, sempre uma situação meio embaraçosa. Eu como aluno não fazia muita questão de ser amigo dos professores. Era só manifestar um respeito, uma consideração e boa! Enfim, lembrando dessas coisas, fui imaginando como seria estar do outro lado.
Depois de uma meia hora ou pouco mais de reconhecimento, comecei a ficar a vontade. Não bebi quase nada de álcool. Mas os carapanãs estavam atacando bravo!

Pausa para viagem
Lá vinham eles: a tribo do carapanãs! Os maiores guerreiros de toda a Amazônia, montados em suas lhamas e trazendo as suas lanças embebidas em veneno de sapo alucinógeno...

Pausa para tradução
Não, não. Na verdade, “carapanã” é como os roraimenses chamam os pernilongos. Mas eu não consegui perder a piada.

Outras palavras do léxico roraimense:
Macuxi
: sinônimo para roraimense. Está para roraimense como potiguar está para quem nasce no Rio Grande do Norte ou como capixaba para quem nasce no Espírito Santo. É o nome de uma tribo da região, e então o povo adota como identidade local. Inclusive, acho que no Mato Grosso do Sul, deveriam adotar também o guaicuru como gentílico.
Curumim: menino. Essa acho que todo mundo já sabia. Mas aqui usam no cotidiano mesmo. É engraçado. Sabe quando a gente passa na frente da boate e sai dizendo que não está bom porque tem muita gurizada? Ou que só tem criança? Aqui dizem que só tem curumim.

Pronto. Eu tinha parado no ataque dos carapanãs. Pois bem. Era muito pernilongo. Eu e o Thiago estávamos de bermuda. A festa era numa mansão bonitona, com piscina e tudo. Olhamos para a piscina e pensamos que lá dentro não teria carapanã nenhum. Quando a Julia ouviu isso:
“Vamos entrar?”
“Mas de roupa?” (ela estava de vestido longo, hipponga)
“É.”
E aí já topamos. Esperamos mais um pouco, para um momento mais adequado, até que alguém começasse a jogar algum calouro na piscina. Dali a mais meia hora, já estávamos os três professores dentro d’água, jogando dominó e truco numa mesinha boiando, tomando banho em baixo da cascata e rachando de rir de nós mesmos. O Thiago vai à festa dos calouros, qual é o nome do filme? Um professor aloprado. A Julia vai à festa dos calouros, qual é o nome da peça? Uma professora muito maluquinha.
Por um momento, eu me vi parte de uma geração. Uma geração da Academia de Relações Internacionais, egressos da Universidade de Brasília, pesquisadores de história das relações internacionais. Nós três ali juntos, aqui no hemisfério norte, ouvindo reaggaton na Rádio Equatorial, às vezes nos perguntando o que nós estávamos fazendo nessa lonjura e rindo das nossas maluquices, tudo isso foi uma sensação muito boa.
Ou talvez não. Talvez o gostoso mesmo tenha sido sentir um friozinho, por causa de estar molhado, só metade dentro d’água. Que saudade eu estava de sentir um friozinho! Como é gostoso sentir aquela tremida nas costas quando bate o vento!
Mas as boas-vindas à Amazônia não tinham acabado. Fomos embora da festa. Chegando em casa, a Julia viu algum bixinho atrás do violão. Pensei que seria uma mariposa ou grilo. Era um rato! Ela começou a gritar e lá fui eu tentar espantar o rato. Ele saiu correndo de detrás do violão e entrou embaixo da geladeira. Abri a porta dos fundos para ele sair. Ele parou um palmo depois da geladeira, eu com o rodo na mão, a Julia em cima da cadeira.

Pausa para viagem
Nessa hora, é como se o tempo tivesse passado devagarinho. Eu olhei para o rato e disse, em pensamento, como alguns personagens do tempo do Buda sabiam fazer: “Ali, sai ali pela porta dos fundos.” Calmamente. Ele estava parado, calmo também. Aí ele respondeu: “Mas eu quero sair pela porta da frente”. A Julia gritou: “Não mata ele não, é filhotinho!” Aí eu respondi para ele: “Então pode sair”. E ele saiu, corajoso, numa corridinha, direto pela porta da frente, passando do meu lado e quase por baixo da cadeira onde a Julia estava. E eu cumpri a primeira lei: não matarás.
Quando ele saiu, a Julia virou pra mim e disse: “Bem vindo à Amazônia”.

Obs.: Antes que me perguntem. Eu ainda não tive acesso a nenhum sapo alucinógeno.